Eu choro se eu quiser: sobre fãs, emoções e Grey’s Anatomy

Eu sou uma pessoa muito preguiçosa em vários sentidos, mas tenho um tipo especial de preguiça de quem tenta ser muito normal. Gente que continua a se comportar como na oitava série, quando tínhamos certeza que todas as pessoas do mundo eram equilibradas e se comportavam de maneira socialmente aceitável, por isso devíamos esconder nossas estranhezas e fingir até que todos acreditassem na nossa farsa. Demorei muito tempo pra entender que, na verdade, ninguém é normal porque normal é um conceito absolutamente arbitrário. Estamos todos forçando normalidade a maior parte do tempo, então porque não compartilhar nossas manias e hábitos socialmente condenados, certo?

 
Então, qual não é a minha surpresa quando descubro que o envolvimento de um fã com uma série ainda é algo que incomoda? Sim, porque um adulto normal deve entender perfeitamente a diferença entre ficção e realidade. Aqui vai uma teoria: não é preciso perder a conexão com o mundo real pra se importar com as coisas. Algumas pessoas apenas se importam, principalmente quando acompanham algo por anos e desenvolvem uma espécie de apego aos personagens. Isso serve pra séries, filmes, livros, novelas, gibis, o que você quiser. E não é esse um dos poderes e objetivos da ficção? Não é por isso, de certa maneira, que nos dispomos a assistir/ler/ouvir alguma coisa? Por que algo ali pode se comunicar com as nossas partes mais escondidas? E não é mais fácil entender a dor dos outros quando esses outros são fictícios, completamente descolados das nossas próprias dores e traumas? Não é mais fácil entender a si próprio quando você vê as próprias qualidades e defeitos estampados em uma pessoa imaginária?

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Quer dizer que eu não posso chorar por isso?

Na última semana, aconteceu uma coisa importante em Grey’s Anatomy, série famosa pelo excesso de mortes e drama. O acontecimento desencadeou um efeito dominó de emoções nos fãs, eu inclusa. Antes de ver o episódio em si, sabia o que aconteceria, mas cheguei a pensar por um segundo que talvez estivéssemos exagerando coletivamente. Então vimos Meredith Grey perder os amigos um por um, seja por atropelamentos catastróficos ou mudanças de continente, vimos Meredith Grey perder a irmã em um desastre de avião e ter pesadelos com o barulho dos animais comendo o corpo dela, vimos Meredith Grey descobrir que tem os genes do Alzheimer, lutar por anos pra ficar bem com o grande amor de sua vida, sobreviver a tiroteios e afogamentos. Era só mais uma morte dramática. E daí?

 
Ah, a negação é uma ótima forma de fugir das emoções, não é mesmo? E daí que assisti ao episódio e lembrei porque é que eu e você e todo mundo se importa tanto com pessoas que não existem. Não é escapismo, essa é só uma explicação preguiçosa de quem insiste que existe normalidade no mundo. Então quer dizer que quem não se envolve tanto com a ficção tá por aí vivendo a vida de braços abertos e se jogando de cabeça nessa montanha-russa que é a experiência humana? Quem não se importa com Grey’s Anatomy ou nada do tipo está apreciando a grande onda de realidade e emoções? Está amando e sendo correspondido o tempo inteiro, conseguindo o emprego dos sonhos, sendo um bom amigo? Viajando o mundo inteiro, passando todas as noites acordado desbravando a cidade ao lado de seres humanos incríveis e interessantíssimos? Quem não se envolve com ficção sabe viver melhor?

 
Não é escapismo, muito pelo contrário. Quando alguém acompanha uma história por tantos anos, é porque suas próprias emoções estão todas ali. A gente se envolve porque se encontra ali no meio. Quem nunca precisou da melhor amiga em um momento difícil? Quem nunca teve medo de se envolver com alguém e achou melhor fugir? Grey’s Anatomy é dramático porque a vida é cheia de dramas. Pessoas que morrem, que vão embora. Aquela vez que você amou tanto alguém que engolhiu o orgulho e todas as crenças e pediu pick me choose me love me. Quando você não sabia se estava se tornando a pessoa que sonhava ser. Quando você chorou como criança em um banheiro público. A vida é cheia de dramas e parece novela mexicana mesmo. Se a sua não é, parabéns, você é muito sortudo ou muito medroso.

 
Faz parte da vida pensar sobre ela. Essa normalidade fingida de quem age casualmente é repleta de tédio. É um saco forçar desintesse, engolir o que sente pra se misturar a uma multidão que está forçando o mesmo. É melhor ser exagerado e meio brega, chorar com a morte de quem nunca existiu, torcer por um casal de personagens, se deixar levar por uma ficção que é tão inventada quanto inspirada na vida real. É muito melhor assumir a própria fragilidade se com ela vem também sensibilidade e a capacidade de ser empático.

 
A minha vida não é sempre bacana, equilibrada, fotogênica e interessantíssima. Tem dias que eu sou brega mesmo, piegas e excessivamente romântica. Choro sim, num quarto mal iluminado em pleno sábado à noite por causa do sofrimento de pessoas que não existem. Porque quando elas param pra refletir sobre a própria vida, eu posso refletir sobre a minha. Porque ser piegas e socialmente inaceitável num quarto mal iluminado em pleno sábado à noite é o que me permite ser um ser humano parcialmente bem-ajustado no resto do tempo. Porque gente que é legal o tempo todo é chata pra caramba. E porque se importar é sempre melhor.

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Me importo tanto que minha reação exata é essa

 

8 comentários sobre “Eu choro se eu quiser: sobre fãs, emoções e Grey’s Anatomy

  1. Te amo tanto. Preciso de um abraço. Seu texto é genial, como sempre.

    E desculpa se tô comentando desse jeito tosco, pausado. É que tô chorando de novo. E choro bem chorado faz o corpo tremer todo. Fica ruim de digitar.

    (A gente não merecia isso; nem Derek, nem Meredith. Nem Bailey, nem Zola)

    It’s a beautiful day to hate Shonda Rhimes.

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  2. Esse seu texto é tão maravilhoso e tão verdade que eu tô aqui considerando imprimir, xerocar e distribuir que nem panfleto nas ruas. Olha, eu sempre fui a favor de amar coisas fictícias abertamente, sem medo de ser feliz, e se eu choro no ônibus lendo um livro ou se eu brigo com os personagens pela tela do computador é porque eles estão me fazendo sentir algo real, que seria burrice guardar. É por isso que eu me acabei de chorar com o episódio de Glee em homenagem ao Cory Monteith sem nunca ter visto nada da série e é por isso também que eu fiquei até as três da manhã acordada com Chuck Bass quando ele tomou um tiro e é principalmente por isso que eu tenho um rolo de papel higiênico no quarto: porque os feelings são muitos e eu simplesmente não sei controlar. Admiro quem consegue, mas não invejo, porque sou muito mais passar por uma crise existencial junto com a Rory do que passar sozinha.
    Nunca vi Grey’s porque todo mundo diz que se mata de chorar e se é uma série que todo mundo chora e grita e ainda assiste, é porque ela é maravilhosa, e eu não tenho coração o suficiente (ainda) para bancar. A minha melhor amiga acompanha e quis morrer três vezes quando descobriu o que ia acontecer, e eu só conseguia sofrer do lado dela pensando QUE MUNDO INJUSTO É ESSE???????????? Quer dizer. As coisas mexem com a gente.
    Tô pensando aqui que seria cômico se não fosse trágico a gente precisar dizer que tá tudo bem sim chorar com o que a gente quiser, real ou não, mesmo que o mundo lá fora continue achando infantil da nossa parte. E quando você pergunta se a vida de alguma dessas pessoas é melhor porque elas não se importam com os personagens que “não são reais” (mas na verdade são sim), eu só consigo pensar que morte horrível deve ser estar num dia péssimo e não ter a certeza de que existe um pixel que seja de alguém inventado pra dizer que vai ficar tudo bem e que você não é o único na merda.

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  3. Não assisto Grey’s Anatomy, mas isso não muda em nada meu comentário… rs
    Acho que, muitas vezes, existe mais vida em nós quando acompanhamos uma série, lemos um livro ou qualquer outra coisa do tipo. Por vezes, somos mais fiéis aos nossos sentimentos e verdades nesses momentos do que quando estamos, supostamente, vivendo a vida real.

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  4. Mimi eu tô tão #chatiada com Shonda que dessa vez vou mesmo abandonar a série! Eu tolerei anos de sacanagem dessa mulher incluindo a morte do meu casal preferido Mark e Lexie. Sofri, chorei, dormi com a cara inchada, mas continuei. Mas perder Derek pra mim foi demais! E vou te confessar que eu nem gosto tanto assim de Meredith (inclusive acho que ela tá bem chata nessa temporada) e nem é por isso que vou abandonar. Acho que é uma sacanagem ela eliminar um dos protagonistas da série por rixa interna, é uma grande falta de respeito com nós, fãs, que há tantos anos temos essas pessoas, esses personagens, como parte da nossa vida. E adoro ser essa pessoa que ama séries e sofre com elas. Somos bem mais humanas por isso!
    E ó: amo você e sinto muita saudade viu!
    Beijos

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  5. Não assisti ainda esse episódio, assim como aconteceu quando descobri sobre o acidente da Lexie, resolvi esperar um pouco. Não que isso vá mudar minha reação, eu sei que vou chorar, querer me enrolar inteira, morrer e matar a Shonda. Porque, querendo ou não, isso não é apenas uma série, são nossas vidas, a gente, também, ali escancarado na nossa frente, se identificando, amando e sofrendo junto.
    Meus pais costumavam ser dessas pessoas que não entendiam esse relacionamento profundo com personagens/histórias/séries, até o dia em que eles resolveram assistir Grey’s e até hoje não pararam, e desde então nunca mais falaram que a gente fica muito tempo no quarto assistindo série, perdendo tempo, deixando a vida passar. Acho que uma vida sem se importar com gente que não é gente “de verdade” é muito vazia, prefiro mil vezes chorar litros no fim de um livro do que não ser tocada por tantas histórias/amores e sentimentos mil. Como sempre, Milena, genial. Beijoss

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  6. Amiga, sabe que uma professora uma vez começou uma aula baseada na seguinte frase: “A poesia é imprescindível, se ao menos eu soubesse para que”. E acho sensacional, porque a arte num geral é completamente necessária, a gente só não sabe exatamente pra que, mas o fato é que ela é, sabe? Tem que se importe mais, tem que se importe menos e tem a gente, que é meio maluca, mas essa é a graça da vida. E choremos juntas!
    Te amo! ❤

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  7. “É um saco forçar desintesse, engolir o que sente pra se misturar a uma multidão que está forçando o mesmo. É melhor ser exagerado e meio brega, chorar com a morte de quem nunca existiu, torcer por um casal de personagens, se deixar levar por uma ficção que é tão inventada quanto inspirada na vida real.”

    Ai, miga, vem cá. Às vezes eu me repreendo ou me sinto repreendida pelo mundo por “perder” (mas que pra mim é ganhar) tanto tempo com seriado. Eu acompanho diversos, maratono mais uns, e tenho uma lista enorme de tudo o que quero assistir. Acho que gostar tanto de coisa fictícia não invalida a possibilidade de “viver”, como as pessoas parecem pensar. Eu tô ali com dez episódios pra colocar em dia, mas posso fazer isso ao mesmo tempo que me apaixono. Tô aqui sendo fangirl das minhas bandas e meus atores favoritos, mas posso fangirlar do lado de outras fangirls. Posso querer ver uma série e fazer isso do lado dos meus amigos. Não existe só preto no branco, e eu não me sinto culpada por passar um final de semana inteiro assistindo temporadas inteiras de coisas que eu gosto. Às vezes repreendida, mas nunca culpada. Sem contar que por ser algo tão pesado nos dias de hoje, só reflete que é material que sempre vai ter gente (uns mais ávidos que os outros) pra consumir.

    E no caso em questão: que episódio pesado. Nunca superei a morte da Lexie. Ela era minha personagem favorita de Grey’s (e basicamente uma das top-top de tudo). E morri chorando quando ela morreu na TV. Mas assistir o Derek, que é nosso McDreamy desde o day one indo pelo mesmo caminho?! Não perdoo. Eu e minha irmã nos lavamos de chorar. Foi traumatizante o tanto que solucei assistindo um seriado. E solucei! Horrível.

    Shondanás, eu te odeio.

    Beijos!

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  8. Aquele momento em que a lerda aqui finalmente se da conta que você mudou de url, mas enfim
    Eu to com vontade de mandar o link desse post pra diversas pessoas porque GENTE PFVR
    É chato demais quem sempre tenta se sentir superior falando que não vê TV, não assiste tal programa ou deixou de ver desenho animado depois que cresceu. Querer ser inteligente é uma coisa, achar que inteligencia é superioridade e significa não imaginar seu casamento com um personagem é outra.

    Novembro Inconstante

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